Paulo D'aqui Velloso foi atropelado em dezembro passado. O motorista fugiu sem prestar socorro, mas se apresentou à policia no mês seguinte. A família da vítima ainda aguarda a punição do responsável
Passar pela Quadra 5 do Park Way, na rua que dá acesso ao Setor Arniqueiras, causa uma sensação de tristeza e revolta para a família da veterinária Rosane D’aqui, 54 anos. Há exatamente um ano, o caçula Paulo Henrique D’aqui Velloso, 22, foi atropelado no local ao voltar para casa, perto da meia-noite. O motorista do carro fugiu sem prestar socorro(1). O corpo de Paulo ficou no local por quatro horas até ser avistado por um entregador de jornal. Naquela época, Rosane montou uma força-tarefa para encontrar o motorista foragido: distribuiu panfletos na região e colocou faixas em volta da pista. Quase um mês depois, o técnico em informática Nemésio da Rocha Fonseca Júnior, 46, se apresentou à 21ª Delegacia (Taguatinga). Ontem, ao completar um ano da tragédia, as faixas voltaram ao local. Desta vez, pedindo punição ao responsável, que está livre, à espera do julgamento.
Vestindo blusa branca com um pequeno laço azul — cor favorita de Paulo —, Rosane se emociona ao lembrar do acidente. Ela não conseguiu trabalhar durante o dia de ontem. Ao fim da tarde, participou de uma celebração ecumênica na Legião da Boa Vontade (LBV), cercada de familiares e amigos próximos ao rapaz. “Tem um orelhão aqui perto, um posto policial também. Por que o motorista não avisou à polícia ou aos bombeiros, mesmo sem se identificar? Quanto tempo será que meu filho demorou para morrer? Ele deve ter sentido muita dor. A negligência é um crime muito grave, na minha opinião”, desabafou. Em 2008, outro filho de Rosane também sofreu um acidente de carro. “Mas dele eu pude cuidar.”
Chovia muito na noite do atropelamento. Paulo havia cumprido todas as tarefas do dia e voltava de ônibus para casa. Pela manhã, o jovem cursava o primeiro semestre do curso de administração em uma faculdade de Taguatinga. De lá, seguia para o escritório de advocacia onde trabalhava como auxiliar administrativo. Em 10 de dezembro do ano passado, Paulo ainda ligou para a mãe por volta das 23h30, avisando-a que estava a caminho de casa. A mãe não poderia buscar o filho na parada de ônibus, como fazia em dias de chuva, porque estava na casa de uma amiga no Plano Piloto. O ponto de desembarque do transporte público fica na Estrada Parque Vicente Pires, que liga a EPTG ao Núcleo Bandeirante. Dali, Paulo andaria cerca de 1,5 km até a residência em uma rua iluminada, mas sem acostamento ou calçada.
Ao chegar em casa, Rosane viu que o filho não estava lá e ficou preocupada. Depois de vários telefonemas sem resposta, os outros filhos saíram em busca do irmão. Passaram pelo local do acidente, mas não viram o corpo de Paulo, que estava no meio do mato, próximo à cesta de lixo da entrada de um condomínio. Quando o jornaleiro avisou à polícia, a família ficou dilacerada.
Falta de visibilidade
Sem testemunhas, a única pista material era o retrovisor direito do carro encontrado no local. A perícia da Polícia Civil identificou que a peça pertencia a um Corsa Wind verde. Em 8 de janeiro deste ano, Nemésio da Rocha Fonseca Júnior se apresentou à polícia. Segundo a investigação, o motorista teria alegado falta de visibilidade por causa da chuva. E, depois da colisão, teria ido até a casa de um parente, onde tomou remédio para se acalmar.
Morador de Arniqueiras, Nemésio foi indiciado por homicídio culposo (sem intenção de matar) e pode pegar até três anos de detenção. Mas há um agravante: como ele fugiu sem prestar socorro, a pena pode aumentar em um terço ou até a metade. Como é réu primário e colaborou com a apuração policial ao se apresentar voluntariamente, Nemésio — que não foi encontrado ontem para dar entrevista — se livrou da prisão preventiva. Ou seja: ele aguarda o julgamento em liberdade. Daí parte a indignação da família de Paulo. As faixas com frases de dor voltaram ao local do atropelamento: “Saudades! Aqui, o abandono do rapaz atropelado há um ano. Pedestre, cuidado! O motorista continua dirigindo”. A família, agora, exige que a morte de Paulo não fique impune.
No Código
Classifica-se como omissão de socorro, de acordo com o artigo 135 do Código Penal, deixar de prestar assistência — quando possível fazê-lo sem risco pessoal — a criança abandonada ou extraviada e a pessoa inválida, ferida, desamparada ou em iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública. A pena prevista varia de um a seis meses de detenção, ou multa. Mas a punição pode ser aumentada se a lesão for grave ou em casos de morte.
Criança em estado grave
Uma menina de 3 anos foi atropelada ontem em Vicente Pires e está gravemente ferida. Ela atravessava sozinha a Rua 5, quando foi atingida pelo Logus, de placa KAW 4756 (DF) conduzido por Thiago Alves Rodrigues, 21. Por volta das 15h, os pais da criança, Gustavo Leal, 22, e Catilene Venâncio (idade não informada), estavam um de cada lado a pista — ele à direita, ela à esquerda. A menina Ana Luíza, que segurava a mão da mãe, se soltou e correu em direção ao pai.
Após o choque, a vítima foi atendida no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) e, em seguida, transportada de helicóptero para o Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Exames constataram traumatismo craniano, e a garota segue internada.
Testemunha do acidente, Marcos Carvalho, 33, contou que o motorista do carro freou três vezes antes do atropelamento. Segundo Marcos, a garota se assustou com a primeira brecada, enquanto atravessava e tentou se afastar do veículo, sem sucesso. O condutor estava acompanhado do irmão de 14 anos no carro.
À polícia, Thiago Rodrigues alegou que o pai chamou a filha para o outro lado e ela teria atravessado sem olhar os veículos da pista. “Ele chamou a criança e mãe não segurou a mão dela”, disse. De acordo com o delegado-adjunto da 38ª DP (Vicente Pires), Tamis Queiroz, “o motorista alega que vinha em velocidade moderada”. Os resultados da perícia devem revelar a velocidade do carro na via, de até 50km/h. Os pneus imprimiram marcas de frenagem por 35m da pista, segundo peritos. Thiago deve ser indiciado por lesão corporal grave ou, caso Ana Luíza não resista aos ferimentos, por homicídio culposo (sem intenção de matar).
(Correio Braziliense - Juliana Boechat )