O movimento de 15 mil veículos por dia e a morte de pelo menos 234 pessoas em dez anos reforçam a urgência de duplicação na via do Norte de Santa Catarina
Uma estrada não é só feita de asfalto e veículos. É também feita das pessoas que dependem dela todos os dias para trabalhar e se divertir. Nos seus 120 quilômetros, entre São Francisco do Sul e o acesso a São Bento do Sul, a BR-280 faz parte, direta ou indiretamente, da vida de 790 mil pessoas. É por onde circulam diariamente 15 mil veículos. É, também, o caminho de escoamento das riquezas da região mais industrializada do Estado. Um quinto do PIB catarinense sai de suas margens. Só neste ano, US$ 1,7 bilhão em produtos exportados passaram pela rodovia.
Mas apesar de ser a estrada de tanta gente, a BR-280 enfrenta problemas por causa do trânsito pesado. De 2000 a 2009, 234 vidas foram perdidas na estrada, de acordo com a Polícia Rodoviária. As estatísticas, entretanto, são maiores. Os números oficiais não mostram aqueles que perderam a vida no hospital. Nem os casos de quem ficou com sequelas e sente, todos os dias, a dor de quem teve a vida atropelada. Estas são as histórias que eu, o fotógrafo Cléber Gomes e o cinegrafista Heverton Ferri queremos contar.
Em três dias, percorremos o trecho para mostrar a importância que a duplicação da BR-280 tem para o Norte do Estado. Esta importância foi ressaltada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em maio do ano passado, quando esteve em Joinville para participar do Painel RBS, e se comprometeu com a obra. No debate, Dilma falou que até outubro de 2008, o edital para a execução da obra seria lançado. E até o terceiro trimestre de 2010, as obras estariam concluídas.Passados 18 meses da entrevista com a ministra, o edital ainda não foi lançado.
O assunto preocupa a comunidade e os empresários da região. A obra está orçada em R$ 120 milhões. Nos três dias, escutamos a história de quem chora a partida de um parente. De quem depende da estrada para vender seus produtos para o mundo. E de quem se emociona ao pensar nas famílias que se foram enquanto a duplicação não sai do papel. Em Jaraguá, o núcleo de empresas de transporte se articulou em uma ação que pede “Duplicação da BR-280, já!”.
Em Guaramirim, o Conselho de Lideranças Comunitárias (Clic) pede a reativação de lombadas eletrônicas desativadas há mais de dois anos. Em São Francisco, o assunto preocupa os empresários que dependem da movimentação de turistas. Porque a duplicação da BR-280 vai além do asfalto e dos veículos. Esta obra tem a ver com as pessoas que dependem dela todos os dias.
Em dez anos, pelo menos 4.620 histórias foram alteradas pela BR-280
Era domingo, 22 de março de 2009. O carpinteiro Neri Alves da Luz, de 49 anos, e a mulher Natalícia, de 38, saíram para visitar a sogra. No trevo da Rodovia do Arroz, no entroncamento com a BR-280, um carro se chocou contra a motocicleta em que o casal estava. A irmã Rosa Alves da Luz não esquece o dia em que o irmão e a cunhada nunca mais voltaram para casa.
— O meu irmão saiu daqui caminhando e eu só fui vê-lo de novo em um caixão — desabafa Rosa, enquanto as lágrimas molham o rosto e a voz embarga.
Rosa cuida agora de dois filhos do irmão. A mais velha dos três filhos de Neri, Adriana Alves da Luz, 18 anos, vive na casa que foi dos pais com o filho e o marido.
— A vida mudou completamente. É muito estranho não ter mais o pai e a mãe aqui — diz Adriana.
O drama da família Luz é o mesmo de tantas outras que vivem nas proximidades da BR-280. A rodovia deixou marcas nos últimos dez anos. Foram 4.386 feridos nos 96 quilômetros que vão de São Francisco a Jaraguá do Sul. Uma marca de 45 feridos a cada quilômetro do trecho. A rodovia também tirou a vida de 234 pessoas no período. O número total de vítimas chega a 4.620.
De acordo com o inspetor da Polícia Rodoviária Federal, Adílio Paiano, o grande drama na estrada acontece nos trechos em que há vida urbana na proximidade da estrada. Por isso, há grande concentração de acidentes nas áreas de Guaramirim e Araquari.
— A solução definitiva para o problema viria com a duplicação da BR-280 — admite o inspetor.
Enquanto a obra não chega, outras medidas preventivas são exigidas pela comunidade. A instalação de uma lombada eletrônica e de novas ilhas de segurança — como são chamados os nichos que separam uma faixa da outra — são alguns dos pedidos em Araquari.
— São pedidos antigos, mas por enquanto não há nada programado — diz o inspetor Paiano.
De acordo com ele, as ilhas poderiam aumentar a segurança em pontos críticos, já que, com eles, o pedestre poderia se preocupar em atravessar uma das faixas por vez.