Valéria Ferreira Santana queria aproveitar a folga, rara nos últimos dias, na companhia do filho, Ricardo, que passou a ser a razão da vida da atendente de balcão de 20 anos desde que nasceu, há dois meses. Era para ser uma voltinha rápida pelo bairro, com direito a um sorvete de queijo - lembrança de Minas Gerais, onde nasceu - e uma passadinha num supermercado com a prima. A jovem, que sonhava em ser enfermeira ou médica, estava terminando um curso técnico em Enfermagem e trabalhava duro para juntar dinheiro. O principal objetivo era dar uma vida melhor para o filho. Mas Valéria teve de deixar para trás seus sonhos e passou a ser um número a mais na triste estatística da violência no trânsito. Um motorista sem carteira, que havia bebido, ajudou a escrever a pior parte da história dela.
"Va" - como era chamada pelos mais íntimos - morreu usando as últimas forças para pedir que a prima cuidasse de Ricardo, logo depois de ser atingida pelo carro dirigido pelo motorista alcoolizado por volta das 20 horas de sábado, em Aracruz, Norte do Estado. O bebê foi lançado do carrinho. Adriana e a filha - também atropeladas - ficaram feridas. Valéria não resistiu.
"Ela estava feliz, vivendo o seu melhor momento, e o filho passou a ser tudo para ela. Ela havia acabado de dar uma gargalhada, como sempre fazia, quando o carro veio", contou a prima Adriana Rosário Paixão, 30, que se recupera em casa com pontos no braço, feridas nas pernas e no rosto, além de dores na coluna.
A filha de Adriana, a pequena Isabela, de 2 anos, está com arranhões na testa e o rosto inchado. Ainda se assusta com facilidade desde o acidente, conta a avó. O filho de Valéria nada sofreu e foi levado para o hospital por um taxista que parou para ajudar, diferentemente do que fez o rapaz que provocou o acidente, ao fugir do local. A fuga não deu certo, e ele está preso.
A história da jovem feliz, mãe dedicada e com a vida transformada após a maternidade é mais uma que chama a atenção para os danos irreversíveis que a imprudência no trânsito provoca. E mesmo depois da Lei Seca, que de junho a outubro deste ano levou a 19,5 mil abordagens de motoristas, 2,1 mil testes de bafômetros, e 316 carteiras apreendidas.
Desolado como a família de Valéria se sente o cabeleireiro Ronaldo Andrade, que perdeu a mulher e os dois filhos num acidente provocado por um motorista alcoolizado. Ou as famílias de Jussara Lepri Chandoha e Rodrigo Lopes de Marcelos, outros jovens mortos no trânsito. "Não há punição que nos tranquilize, porque ela não vai voltar. Mas tem de haver justiça", disse Edilana Kill, 33, amiga de Valéria, cujo sentimento é uma reprodução do que sentem outras famílias devastadas pela imprudência.
Avó materna e pai querem ficar com o bebê
O berço do pequeno Ricardo, de 2 meses, está do mesmo jeito desde sábado. Ele sobreviveu ao acidente que tirou a vida da mãe, Valéria Santana, 20 anos, provocado por um motorista que havia bebido e não tem carteira, em Aracruz, no Norte do Estado.
Ricardo nada sofreu. No registro civil do menino consta somente o nome da mãe, mas o pai, Jonh Lenno da Cruz, 32 anos, quer continuar com a determinação de Valéria de dar uma vida melhor para o filho.
"Ele é meu filho. Não namorava mais a Valéria havia muitos anos, mas éramos amigos, e o mínimo que posso fazer é cuidar do menino, com o apoio da minha família. E isso eu quero fazer", contou Jonh, que também é pai de uma menina de 5 anos que mora com ele e os pais.
Mas o destino do pequeno Ricardo - que vivia com a mãe na casa de uma tia - ainda não está definido. Ontem, o menino ficou sob os cuidados da madrinha, Marilene Gadioli, 30, enquanto a tia de Valéria estava em Minas Gerais, onde foi realizado o sepultamento da jovem. "Estou tomando conta hoje (ontem), mas a avó dele está vindo para buscá-lo. Vai levar Ricardo para Minas", contou.
Dejair Diogo, 26 anos, marido da tia de Valéria, confirmou que a sogra quer ficar com a criança. "O menino vai voltar com a avó, ela quer cuidar dele. E nós damos todo apoio", concluiu.
O susto e a dor
Adriana Rodrigues Paixão , 30 anos, prima de Valéria Santana
Com dores e ferimentos por todo o corpo, a dona de casa Adriana Rodrigues Paixão, 30 anos, prima de Valéria Ferreira Santana, 20 anos, disse que "Va" - como a chamava - até o último minuto viveu para o filho Ricardo, de 2 meses. Ela disse que a prima, ao ver o carro que as atropelou se aproximar, tentou evitar que o filho se machucasse. Num instinto materno, recebeu o impacto do carro antes que o automóvel atingisse o carrinho onde estava o bebê. Adriana e a filha dela também estavam no local, ficaram feridas, mas não correm risco de morte.
COMO FOI NO DIA DO ACIDENTE?
"Vá" estava de folga. Veio aqui em casa com o Ricardo, que era tudo para ela. Passamos a tarde juntas. Ela, inclusive, pediu para tomar picolé de queijo para lembrar da terra dela, lá em Minas. Estava feliz, o que não era novidade para ela. A marca registrada dela era o sorrisão.
E O ACIDENTE COMO FOI?
Havíamos saído para dar uma volta e fomos até o supermercado. Andávamos pela calçada. Eram umas 20h, e ouvimos o barulho do carro longe. Estávamos conversando, ela havia acabado de dar uma gargalhada, como sempre fazia, quando o carro veio. Empurrei minha filha, e Vá entrou na frente do carrinho para proteger o filho. Mas o carro pegou todo mundo. O menino só não se feriu porque ela tomou conta dele até esse último minuto.
ELA DISSE ALGUMA COISA?
Logo que fomos atropeladas, ela continuou se lembrando só do filho e me pediu: "Cuida do neném... Socorre ele...". Ela disse isso baixinho, e logo parou de falar.
O QUE PASSA PELA SUA CABEÇA AGORA?
Que uma menina alegre, espontânea, abençoada deixou muita coisa para trás e está fazendo uma falta muito grande. E tudo por conta da imprudência, por causa de duas cervejas. Só Deus mesmo!
E O MOTORISTA?
Não consegui sentir raiva dele. Senti pena, por ele não ter tido espírito humano ao fugir sem prestar socorro. Como pôde, sabendo que havia atropelado pessoas, inclusive crianças? Quero que haja justiça, que a morte de Valéria sirva para que isso não se repita.
Motorista prefere o silêncio
O caldeireiro Arlem dos Santos Costa, de 25 anos, que atropelou e matou Valéria Ferreira Santana, de 20 anos, na Avenida Florestal, no bairro Segato, em Aracruz, passou o dia de ontem trancado na carceragem do Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) da Serra. Ele foi transferido de delegacia no domingo, depois de ter sido autuado por homicídio com dolo eventual e lesões corporais na Delegacia de Aracruz.
Arlem bebeu antes de assumir a direção do carro que atropelou Valéria, o filho dela, de 2 meses, e duas primas da jovem - inclusive outra criança de 2 anos. O teste do bafômetro acusou teor alcoólico de 0,66g/ml de álcool por litro de ar expelido em seu organismo. O dobro do índice considerado crime, independentemente de haver vítimas ou mesmo de o teste ter sido motivado por um acidente.
Ontem, no DPJ da Serra, Arlem não quis falar com a reportagem para explicar como o acidente aconteceu e sobre o risco de dirigir sem carteira e sob o efeito de álcool.
Ainda no sábado, logo depois do acidente, Arlem contou que estava sozinho. Disse que, antes do atropelamento, passou em um bar, onde jogou três partidas de sinuca e tomou duas cervejas. No depoimento à polícia, o caldeireiro disse que ouviu Valéria pedir ajuda para o filho antes de morrer. Na noite do acidente, preso, chegou a comentar na delegacia que nunca pensou que o acidente pudesse acontecer.