Em pouco menos de oito horas, sete jovens de 18 a 28 anos morrem em acidentes no Estado, enlutando famílias
Uma tragédia anunciada, que se repete quase diariamente com assustadora crueldade, condenou sete famílias gaúchas a um luto que jamais será aplacado. Em menos de oito horas, a ceifadeira de vidas em que se transformou o trânsito levou jovens entre 18 e 28 anos, nos municípios de Três de Maio, Picada Café e Porto Alegre.
Todos os acidentes ocorreram entre o final da noite de quinta-feira e a madrugada de ontem – horário em que as ruas das cidades e as rodovias se tornam territórios de ninguém. Todos envolveram manobras arriscadas ou excesso de velocidade, o que evidencia o despreparo dos motoristas. Resultado: pais e mães tiveram de sepultar seus filhos, na mais dolorosa inversão da lógica da vida.
A primeira tragédia foi na rodovia Três de Maio-Horizontina (ERS-342), na região Norte, quando um Vectra e um Logus bateram de frente. Morreram Claudicir Stiegelmaier, 28 anos, Robson Wollmuth, 22 anos, e Martinho Binicheski, 23 anos. Mais três pessoas ficaram feridas.
O que já bastaria para comover o Estado estava apenas no início. Por volta das 4h de ontem, em Picada Café, na Serra, um automóvel Celta saiu da pista e capotou na BR-116. Tombaram Djordan Wazlawosky, 21 anos, Guilherme Brito Lopes, 25 anos, e Rafael Lopes Drum, 18 anos. Quase ao mesmo tempo, Andrigo Ribeiro Vargas, 22 anos, morria ao colidir o Fusion que dirigia em Porto Alegre.
A perda dos sete rapazes confirma uma tendência que deveria alarmar as autoridades e estarrecer a sociedade. De janeiro a março deste ano, os desastres com mortes aumentaram 9,9% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran). De 1º de janeiro até ontem, eram 621 vítimas.
A frieza dos números oculta dramas que somente os órfãos de filhos podem avaliar. Na manhã de ontem, ao saber das mortes em sequência, a presidente da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, Diza Gonzaga, sentiu-se ainda mais pesarosa do que o costume. Foi no mês de maio, em 1995, que ela perdeu o filho Thiago num acidente. A coincidência a abalou:
– Sinto essa dor, que não é só física.
Mulheres de maridos mortos são chamadas de viúvas. Filhos de pais falecidos são órfãos. Mas Diza Gonzaga alerta que não há definição para mães e pais separados abruptamente dos filhos, tamanho o desamparo a que são sentenciados.
– A morte de um filho a gente não pode superar, porque um filho não morre.
Tragédia a caminho de casa
Como acontece nas noites de terça-feira, um grupo de jovens se reúne para jogar futebol sete, eles chamam o time de Amigos. No próximo encontro, o time vai estar desfalcado do seu atacante: Andrigo Ribeiro Vargas, 22 anos, morreu na madrugada de ontem ao colidir o seu Fusion contra um muro e depois contra um poste, no entroncamento das avenidas Cristovão Colombo com Alberto Bins, nas proximidades do centro de Porto Alegre. Rodrigo Latorre Ferreira, 28 anos, que estava de carona no carro, sofreu ferimentos leves.
De acordo com Rodrigo, o amigo o havia convidado para ir a um bar no Shopping Total. Em torno de 4h40min de ontem, Andrigo e o amigo saíram do bar do empreendimento. Duas quadras depois, em direção ao Centro, aconteceu o acidente. Rodrigo lembrou os últimos minutos que passou dentro do veículo de Andrigo:
– Lembro de duas coisas com bastante clareza: nós não estávamos em alta velocidade e também não havia um outro carro na rua. Falávamos bobagens. Foi tudo muito rápido. Ele fez a curva para a direita e o carro se descontrolou. Não houve tempo para gritar.
No final da manhã de ontem, o pai da vítima, Erasio de Souza Vargas, e a mãe, Sandra Madelaine Ribeiro, estavam no Departamento Médico Legal (DML) inconsoláveis.
A velocidade e o Fusion consistiam em parte importante da vida de Andrigo. No site de relacionamentos Orkut, entre as comunidades do qual participava estavam Ford Fusion e Ford Fusion 2010. No portal de vídeos YouTube, ele postou imagens do carro andando a 180 km/h. Depois de publicar os vídeos, ele foi alertado por um integrante de uma comunidade no Orkut sobre os riscos que estava correndo.
"Uma das causas são os carros", diz de jovem que morreu em Porto Alegre
Zero Hora – Qual era a sua relação com Andrigo?
Luiz Fernando Andrade – Sempre disse que, se tivesse um filho homem, deveria ser como ele. Conheço o Andrigo desde os quatro, cinco anos de idade.
ZH – Quando a família recebeu a notícia do acidente?
Andrade – Quem avisou a mãe dele foi um senhor da funerária, que estava no Departamento Médico Legal (DML). Fui para o Palácio de Polícia, onde estava a Sandra, a mãe dele. Nunca a vi tão mal. Era o único filho dela.
ZH – Por que acontecem essas tragédias?
Andrade – Uma das causas são os carros potentes, que advêm da ganância do governo, em arrecadar impostos, e das fábricas de automóveis, sempre querendo elevar os preços. Deveria haver uma campanha prevenindo sobre o uso de automóveis potentes. Assim como há campanhas contra o crack e o álcool.
ZH – Quais seriam as outras causas?
Andrade – A falta de fiscalização. Seguidamente se vê os pegas de automóveis na Avenida Nilo Peçanha. Também há o problema das drogas. Deveria ser criado uma espécie de bafômetro para detectar drogas. Não existe a compreensão sobre jovens drogados ao volante.
ZH – O que teria acontecido com o Andrigo?
Andrade – Uma fatalidade. A potência desenfreada dos motores.
Zero Hora – Qual era a sua relação com Andrigo?
Luiz Fernando Andrade – Sempre disse que, se tivesse um filho homem, deveria ser como ele. Conheço o Andrigo desde os quatro, cinco anos de idade.
ZH – Quando a família recebeu a notícia do acidente?
Andrade – Quem avisou a mãe dele foi um senhor da funerária, que estava no Departamento Médico Legal (DML). Fui para o Palácio de Polícia, onde estava a Sandra, a mãe dele. Nunca a vi tão mal. Era o único filho dela.
ZH – Por que acontecem essas tragédias?
Andrade – Uma das causas são os carros potentes, que advêm da ganância do governo, em arrecadar impostos, e das fábricas de automóveis, sempre querendo elevar os preços. Deveria haver uma campanha prevenindo sobre o uso de automóveis potentes. Assim como há campanhas contra o crack e o álcool.
ZH – Quais seriam as outras causas?
Andrade – A falta de fiscalização. Seguidamente se vê os pegas de automóveis na Avenida Nilo Peçanha. Também há o problema das drogas. Deveria ser criado uma espécie de bafômetro para detectar drogas. Não existe a compreensão sobre jovens drogados ao volante.
ZH – O que teria acontecido com o Andrigo?
Andrade – Uma fatalidade. A potência desenfreada dos motores.
Três de Maio: a morte entre a faculdade e o lar
O caminho era conhecido e estava na rotina dos três estudantes que morreram em um acidente no final da noite de quinta-feira, na rodovia que liga Três de Maio a Horizontina (ERS-342). Após as aulas da faculdade, eles voltavam para suas casas. Em um Logus, Robson Wollmuth, 22 anos, Martinho Binicheski, 23 anos, Felipe Sehn da Silva, e Geovane Junior Melchior, voltavam da Faculdade de Horizontina (Fahor), em direção a Três de Maio.
No Vectra de Horizontina, Claudicir Stiegelmaier, 28 anos, e Anderson Jardel Toebe, 22 anos, faziam o caminho inverso, saíam das aulas na Sociedade Educacional Três de Maio (Setrem) rumo a Horizontina. Na altura do km 32, uma colisão frontal causou as mortes instantâneas de Robson e Claudicir. Martinho chegou a ser levado ao Hospital Vida e Saúde, de Santa Rosa, mas não resistiu aos ferimentos e morreu na manhã de ontem.
Ao mesmo tempo, a namorada de Robson, Andressa Justen, 21 anos, voltava das aulas em Santo Ângelo (IESA) quando deparou com o acidente. Paralisada com a cena, seguiu direto para o Hospital de Três de Maio, na esperança de encontrar o namorado com vida. Minutos depois, a ligação: Robson havia morrido.
"O que fica é um trauma", diz irmão de Claudicir
Zero Hora – O teu irmão costumava estar sempre na estrada?
Stiegelmaier – Sim, porque ele morava em Horizontina, mas estudava em Três de Maio. Ele tinha um grupo de amigos que se esquematizam em sistema de rodízio de carona. Se revezam nos dias de um ir de carro e os outros de carona. Ele foi durante quatro anos de segunda a sábado, e nunca aconteceu nada. Agora, que nem tinha mais aula, acontece isso.
ZH – O que tu diria, hoje, para quem é jovem e motorista?
Stiegelmaier – Eles têm que ter consciência de no momento em que cometem uma infração podem estar afetado não apenas as próprias vidas, mas as vidas de outras pessoas, inocentes. O que fica é um trauma, um rombo na família de quem morreu.
ZH – Que sonhos o teu irmão deixou para trás?
Stiegelmaier – Ele tinha o sonho de se formar e ter filhos, muitos filhos. Ele adorava crianças.
Picada Café: fatalidade na volta da diversão
Três jovens amigos tiveram suas vidas encurtadas no trânsito da Serra na madrugada de ontem. Rafael Lopes Drum, 18 anos, Djordan Wazlawosky, 21 anos, e Guilherme Brito Lopes, 25 anos, morreram por volta das 3h10min, num acidente no km 201 da BR-116, em Picada Café. Os três moravam em Gramado e eram passageiros do Celta, dirigido por Pablo Ghesla Enzweiler, 20 anos, o único sobrevivente.
Pablo foi socorrido e levado ao posto de saúde de Picada Café. Após, seguiu para a Delegacia de Polícia, onde não teria se sentido bem e foi encaminhado ao Hospital Arcanjo São Miguel, em Gramado. Por volta das 13h de sexta-feira, ele foi liberado. Os familiares não permitiram que ele falasse com a imprensa. Segundo a Polícia Civil, ele não quis se submeter ao teste do bafômetro e um exame clínico, feito no posto de saúde, não apontou níveis alcoólicos. Conforme registros da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Nova Petrópolis, o veículo teria saído da pista, invadido o acostamento, derrapado, tombado e batido em uma árvore. O forte impacto deixou o carro destruído.
Eles estariam retornando de um bar da cidade de Dois Irmãos. Dois familiares dos garotos mortos confirmam que eles estariam voltando de um show numa cidade próxima. Um deles indica que seria Dois Irmãos. De acordo com a irmã de Pablo, a arquiteta Aline Enzweiler, 23 anos, ele teria ido à cidade de Eldorado do Sul para regularizar papéis referentes aos faróis do carro. Na volta, um caminhão teria freado, o que fez ele tentar desviar para o acostamento.
"Era um amor de filho", diz mãe de jovem que morreu na BR-116
Pioneiro – Como era o seu filho?
Necilde Goreti Wazlawosky – Era um amor, um amor, um amor de filho. Era muito dedicado à família e um amigo exemplar. Se dava tão bem com as pessoas... Era meu menino do meio e parecia um vereador, um deputado, porque sabia conversar e se relacionar com todos.
Pioneiro – Ele falava para senhora sobre o que desejava para o futuro?
Necilde – Fazia cerca de dois meses que ele estava trabalhando como auxiliar administrativo numa empresa, mas seu desejo era fazer faculdade de Gastronomia. Queria ser cozinheiro. Ele sempre cozinhava para nós.
Pioneiro – Quando a senhora viu ele pela última vez?
Necilde – Foi ontem (quinta-feira), à noite, quando ele disse que ia sair com os amigos. Iria num show numa cidade aqui por perto. Falei para ele se cuidar.
ZERO HORA