Ruas e estradas de Curitiba e de municípios vizinhos registram duas mortes a cada dia. Maior parte é causada por erro humano
A cada dia, duas pessoas perderam a vida no trânsito de Curitiba ou de algum dos municípios da região metropolitana nos dois primeiros meses de 2010. Foram 115 mortes registradas em janeiro e fevereiro, de acordo com dados do Instituto Médico-Legal de Curitiba. A estatística revela uma situação ainda mais alarmante do que as informações periodicamente divulgadas pelo Batalhão de Polícia de Trânsito (BPtran). É que as informações do BPTran registram apenas as mortes no local do acidente – e cerca de metade das vítimas morre depois de levada para o hospital.
No primeiro bimestre deste ano, 62 pessoas morreram no local do acidente e outras 53 chegaram a ser encaminhadas para hospitais antes de perder a vida. O total segue o patamar registrado no mesmo período de 2009, que somou 114 mortes. Se a média diária se mantiver, teremos no fim do ano cerca de 700 vítimas – número similar ao da tragédia provocada pelo terremoto no Chile, mas que acaba se diluindo durante o ano todo. “O índice de mortalidade é bastante elevado. As pessoas banalizam a violência no trânsito como se ela fosse natural. O trânsito é um fenômeno coletivo”, afirma a psicóloga Iara Thielen, coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná.
IML
A apuração feita pela Gazeta do Povo tem origem nos relatórios emitidos diariamente à imprensa pelo Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba. A partir das informações fornecidas – embora alguns dados sejam subnotificados – é possível traçar o perfil das vítimas e do local onde aconteceu parte dos acidentes ou do hospital de onde veio o corpo. Entretanto, como a causa da morte é apontada apenas como “acidente de trânsito”, é impossível classificar se ela foi decorrência de atropelamento, batida de carro, colisão contra moto ou bicicleta, capotamento ou outro tipo de acidente.
A partir dos dados do IML, descobre-se que os homens são os que mais morrem no trânsito. Neste ano são 89 contra 26 mulheres. A faixa etária que mais concentra vítimas é dos 31 aos 60 anos – 38, no total. O trânsito já matou sete crianças e adolescentes em 2010. Segundo o tenente Sheldon Vortolin, do Batalhão de Polícia Rodoviária, 90% dos acidentes são provocados por falhas humanas. “Isso significa que 9 em cada 10 acidentes poderiam ser evitados. O motorista tem de lembrar que o veículo pode ser uma arma com grande potencial letal”, afirma. Para Iara Thielen, o álcool e o excesso de velocidade são os dois grandes vilões. “Pior quando se somam. A pessoa alcoolizada nem sente que está acelerando mais do que devia.”
Estradas
O trecho da BR-116 entre o bairro Quitandinha, em Curitiba, e o município de Manditiruba é o mais perigoso, onde já morreram oito pessoas neste ano. Outras estradas que aparecem com frequência são BR-376, BR-277 e Rodovia dos Minérios. De acordo com Iara, os números são assustadores. “Na estrada, a gravidade do acidente tende a ser maior devido à velocidade”, complementa a advogada Shenia Samira Naffin, presidente da Associação Paranaense de Vítimas de Trânsito (Apavitran).
Contudo, não são apenas as rodovias que fazem vítimas. Das 62 pessoas que morreram no local do acidente, 25 estavam em vias urbanas, dentro das cidades. Foi desta forma que o aposentado José Raimundo Ribeiro, 55 anos, perdeu o filho em 2008, em Curitiba. “Ele tinha acabado de sair de bicicleta do trabalho. Um ônibus foi fazer uma conversão e bateu nele”, relata. Antes de morrer, Fabiano Correia Ribeiro, 22 anos, ficou 11 dias em coma no hospital. “Foram dias muito difíceis. Ainda não conseguimos superar a perda. A lembrança não apaga. Era meu braço direito em casa”, conta o pai.
Se forem considerados os familiares de pessoas que morrem ou que matam no trânsito, o problema tem uma dimensão ainda maior. “Temos uma extensão que foge completamente das estatísticas. O dano vai se expandindo até a própria sociedade”, afirma Iara. Ela afirma que o poder público precisa se adaptar às necessidades daqueles que sobrevivem aos acidentes. Shenia lembra que a invalidez passa a ser uma característica muito presente nelas.
Paraná é o 5.º com mais mortes por habitante
O Paraná está entre os cinco estados do país com os piores índices de mortes em acidentes de trânsito. Os dados são do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, e se referem a 2008, o último ano disponível até o momento. O Paraná tem situação melhor apenas do que Roraima, Tocantins, Santa Catarina e Mato Grosso. Enquanto nos países desenvolvidos registra-se a morte de 5 pessoas por grupo de 100 mil habitantes, no Brasil este índice chega a quase 19. A taxa paranaense em 2008 foi de 28,3 mortes para um grupo de 100 mil habitantes.
Depoimento: “Fui jogado para fora do carro”
“Desde pequeno meu pai falava para eu não dormir com a cabeça encostada na janela, no banco de trás do carro. Por ironia do destino o acidente que me deixou tetraplégico ocorreu assim. Foi no início do ano passado e eu viajava com mais dois colegas para tentar vestibular na Universidade Federal da Grande Dourados. Dormia no banco de trás, com a cabeça encostada no vidro e sem cinto de segurança. Meu colega perdeu o controle do carro, que capotou cinco vezes na estrada. Fui arremessado para fora do veículo. Fiquei uma semana e meia em coma, passei três meses dentro do hospital. Sofri uma lesão medular grave. Ainda fico impaciente numa cadeira de rodas. É muito difícil de aceitar. Hoje tomo muito mais cuidado do que antes. Quando uso táxi, vou de carona e se estou no banco de trás sempre uso o cinto. Agora não esqueço mais. E não deixo de ter sonhos. No ano passado, fiquei em lista de espera no vestibular de Medicina. Neste ano, passei em Medicina Veterinária, em Guarapuava, mas quero mesmo é Medicina. Ontem foi meu primeiro dia de aula no cursinho. Não vou desistir. Tenho em mente que estou tetraplégico e que um dia poderei andar. Estou vivo. É isso que me dá forças para viver”.
Eduardo Nascimento, 18 anos, estudante
Gazeta do Povo
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