segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Lei seca morre nos tribunais




80% dos motoristas que se recusaram a fazer o teste do bafômetro foram absolvidos pela Justiça após a lei seca


Em vez de mais rigor, mais abrandamento. Esse é o retrato de um ano de aplicações nos tribunais da Lei 11.705/08, conhecida como lei seca, que tentou instituir níveis tolerados de alcoolemia no trânsito próximos a zero. Um levantamento feito pelo advogado Aldo de Campos Costa, doutorando pela Uni­versidade de Barcelona, mostra que, entre julho de 2008 e junho de 2009, ao se recusar a fazer o teste do bafômetro ou exame de sangue, os condutores foram absolvidos em 80% dos casos nos processos penais pelos tribunais brasileiros, mesmo com provas testemunhais que atestavam a embriaguez dos motoristas. No Paraná, o índice de absolvição ficou em 76%. O Rio Grande do Sul é o estado com o maior índice de absolvição: 94,5%.

Quando entrou em vigor, a lei seca prometia ser uma ferramenta para fechar o cerco para quem gostava de misturar álcool e direção. Uma das principais mudanças instituídas foi a alteração do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), na parte dos crimes de trânsito. Na redação original do artigo (veja no gráfico) não havia especificação sobre a quantidade necessária de álcool no sangue do motorista para a configuração do delito. Cometia o crime todo motorista que dirigisse sobre o efeito do álcool ou outra substância de efeitos análogos (independentemente de quantidade) e que causasse perigo a outra pessoa.



Comprovação

Pela redação original, dizem os especialistas, a prova testemunhal era suficiente para a condenação. A partir da nova redação do dispositivo dado pela lei seca, o crime só se configura se for comprovado que o condutor estava dirigindo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas. Ao mesmo tempo em que a lei fica mais rígida ao penalizar os condutores embriagados, independentemente de eles causarem perigo a outra pessoa, tornou-se mais difícil de ser aplicada, pois, com a falta do exame técnico, nem mesmo a confissão é aceita por alguns magistrados.


“Virou uma letra morta”, conclui Costa em seu estudo, baseando-se no fato de que de 141 acórdãos analisados (sentença de instância superior capaz de formar jurisprudência), em 112 houve absolvição. No Paraná, dos 21 casos analisados, houve apenas cinco condenações em segunda instância. Em nove casos, o condutor foi condenado em primeira instância, mas depois conseguiu reverter a decisão. Nos outros sete casos, o condutor recebeu absolvição já na primeira instância.


Como se deu essa tendência? Há no Direito brasileiro um princípio consagrado pelos tribunais de que “ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo”. Esse princípio é uma interpretação do dispositivo constitucional previsto no artigo 5.º, inciso LXIII, que diz que o preso tem o direito de “permanecer calado”. O princípio também é inspirado nas garantias judiciais contidas no artigo 8.º do Pacto de San Jose da Costa Rica, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, que diz que toda pessoa tem o “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.


Lei retroativa


No Direito brasileiro, ainda, uma lei penal não pode retroagir para prejudicar o réu, mas pode se for beneficiá-lo. Assim, a nova lei seca, além de beneficiar os condutores embriagados que não fizeram o teste do bafômetro desde junho de 2008, também ajudou àqueles que respondiam processo por atos cometidos antes da vigência da nova lei e que também não haviam feito o exame.


No Paraná, apenas nos cinco casos em que ocorreu a condenação não se considerou que a nova lei é mais benéfica. Como os fatos ocorreram antes da vigência da lei seca, optou-se pela aplicação da lei anterior. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) foi procurado pela reportagem, mas, por meio de assessoria de imprensa, informou que não poderia se manifestar sobre o assunto, por conta de uma vedação contida na Lei Orgânica da Magistratura Nacional.


Para o advogado especialista em trânsito Marcelo Araújo, as decisões dos tribunais brasileiros estão corretas e de acordo com o disposto na nova lei seca. “Não me causa nenhuma surpresa”, diz. De acordo com o advogado, o problema está no texto na nova lei. “Faltou debate antes dela entrar em vigor”, opina. Araújo defende que a redação original do artigo 306 do CTB era melhor. “O texto anterior estava melhor quando dizia apenas ‘sob influência”, afirma.


(Gazeta do Povo - PR.)




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