A população paga um preço alto pelas colisões e pelos atropelamentos com mortes nas vias do DF. A conta é do Ipea e leva em consideração a perda de produção das vítimas, os danos à propriedade e as despesas médico-hospitalares
A dor de perder um familiar em uma tragédia no trânsito não é mensurável em dinheiro. Mas a violência registrada nas ruas do Distrito Federal tem um custo para a sociedade e ele é muito alto. Desde o início da década até outubro deste ano, os acidentes com morte e as vidas perdidas pela imprudência nas vias contabilizaram, em média, R$ 1.444.280.275. Apesar do volume bilionário, o montante gasto pela população neste período deve ter sido bem maior. No cálculo não foram considerados os acidentes sem vítimas nem as pessoas que sobreviveram aos desastres ocorridos na malha viária da capital. O motivo: o Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF) não registra os acidentes sem gravidade.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calculou o preço médio que a sociedade paga quando ocorrem acidentes de trânsito — com morte, com feridos e sem vítima. Os valores apontados pelo estudo Impactos dos Acidentes de Trânsito, divulgado em 2003, foram atualizados a pedido do Correio (veja quadro). Em média, cada desastre com vítima custa R$ 199,7 mil. E cada morte está orçada em R$ 151,7 mil. Por mês, em média 35 brasilienses morrem em tragédias nas vias. Isso significa prejuízo de R$ 53 milhões/mensal. Sem todos os acidentes, porém, não é possível traçar o panorama exato das despesas decorrentes das tragédias automobilísticas no DF. “Todos os acidentes são importantes, mas consideramos apenas quando há óbito. E os números no DF estão caindo”, afirma o diretor do Detran-DF, Cezar Caldas.
Para calcular o preço da violência no trânsito, os técnicos do Ipea levaram em conta gastos com a perda de produção da vítima (que parou de trabalhar ou ficou com a função inviabilizada por algum tempo), com danos à propriedade (pública, privada e a de terceiros), despesas médico-hospitalares (resgate, atendimento no pronto-socorro, reabilitação) e outros. “Projetamos o tempo que uma pessoa que morreu ainda teria de trabalho e adicionamos os gastos previdenciários que o governo terá com aquela família, por exemplo. Cada caso é um caso. Os custos por acidentes e os por vítima têm naturezas diferentes, mas podem ser somados. É o resultado da realidade”, afirma o coordenador do estudo, o economista Marcelo Piancastelli.
Políticas públicas
O objetivo do trabalho, segundo o pesquisador, é contribuir para a elaboração de políticas públicas e planejamento estratégico para reduzir o número de acidentes, e consequentemente, os gastos da sociedade com isso.
O crescimento anual da frota de veículos, fomentado pela redução de impostos e pelas facilidades de pagamento, é apontado como vilão. “O aumento no número de carros não acompanha os investimentos feitos na segurança do trânsito”, analisa Piancastelli. A opinião é compartilhada pelo doutor em segurança no trânsito e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) David Duarte Lima. Segundo ele, três medidas básicas são necessárias para garantir vias mais seguras: investir em engenharia e em educação de trânsito e incrementar ou mudar as estratégias de fiscalização. “Todos os motoristas sabem onde estão a maioria dos pardais”, garante. Ele ainda lembra que o uso do cinto pode reduzir em até 50% a quantidade de mortes.
O número
R$ 70 milhões
Valor arrecadado com multas pelo Detran entre janeiro e outubro deste ano
Palavra de especialista // Quanto custa a sua vida?
“Um dos motivos que levaram o Ipea a dimensionar os custos socioeconômicos dos acidentes de trânsito, ainda nos anos 1990, era sensibilizar autoridades e formadores de opinião quanto aos efeitos desses eventos na economia do país. Além dos prejuízos financeiros, vale lembrar daqueles não passíveis de medição, como o sofrimento da perda de um familiar ou o de quem sobrevive aos desastres com sequelas incapacitantes.
Falando em custos menos tangenciáveis, há outro a ser lembrado: o custo político da segurança no trânsito. É o custo relacionado a contrariar interesses dos que julgam poder ocupar o espaço público da maneira que bem entendem. É rever as prioridades dadas a algumas modalidades de transporte em detrimento de outras, mais vulneráveis e utilizadas por segmentos menos privilegiados.
A decisão pelo trânsito seguro implica, além de investimentos em fiscalização, engenharia e educação, menos demagogia e mais coragem para adotar medidas impopulares. Isto não costuma render votos fáceis, mas nenhum país desenvolvido logrou vencer a violência no trânsito com leis benevolentes, jeitinho e chicanas jurídicas.”
Victor Pavarino, pesquisador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru) da UnB
Efeitos do trabalhoAté outubro deste ano, o Detran-DF arrecadou R$ 70 milhões em multas. A despesa liquidada em engenharia de trânsito foi de R$ 35 milhões e em educação, R$ 9 milhões. Segundo Cezar Caldas, o trabalho está surtindo efeito. “Reduzimos o número de mortes e de acidentes ao mesmo tempo em que a frota tem um crescimento médio de 9% ao ano. Temos melhorado muito desde 2004, quando a frota era de 775 mil veículos e tivemos 389 acidentes com morte. Com 40% a mais de automóveis nas ruas, registramos até agora 286 acidentes com mortes. É uma mostra das ações de fiscalização, engenharia e educação”, argumenta.
Na avaliação de Davi Duarte Lima, da UnB, a receita arrecadada pelo órgão é mais do que suficiente para reduzir pela metade a mortalidade e o número de feridos no trânsito. Ele critica os métodos adotados pelo Detran: “Alguém muda o comportamento vendo propaganda na TV?”
(....)
(Correio Braziliense - 29/11/2009)
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