Juízes e desembargadores começam a recusar o teste do bafômetro como comprovante de embriaguez. Para alguns, só o exame de sangue apresenta resultado seguro
A lei seca, que veio com o propósito de instituir sanções mais rígidas contra quem mistura álcool e direção, tem se tornado letra morta nos tribunais do país. Estudo do advogado Aldo de Campos Costa, doutorando pela Universidade de Barcelona, já havia revelado que 80% dos motoristas que se recusam a fazer o teste do bafômetro ou exame de sangue são absolvidos pela Justiça brasileira. Agora, outro levantamento mostra que mesmo motoristas que concordam em fazer o teste começam a ser absolvidos, porque há desembargadores que não aceitam o bafômetro como substituto para o exame de sangue.
O entendimento ainda não é unânime, mas abre precedente, já que começa a desenhar uma jurisprudência sobre o assunto. Vem sendo seguido no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os juízes de primeiro grau do Rio Grande do Sul também têm apresentado a mesma compreensão – mesmo tendo suas decisões reformadas em segundo grau. E, até que os tribunais superiores se pronunciem sobre o assunto, ninguém sabe para que lado os outros tribunais estaduais vão pender.
Golpe de misericórdia
Golpe de misericórdia
Será este o golpe de misericórdia na lei seca? Talvez sim, ao menos na esfera criminal. A nova lei modificou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em duas partes: a administrativa e a criminal. Na parte administrativa, a lei, concordam os juristas, trouxe uma inovação de êxito. Com a nova redação dada ao CTB, o condutor embriagado, com no mínimo 0,2 gramas de álcool por litro de sangue (ou 0,1 miligramas de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões), sofre sanção administrativa, o que significa dizer: multa de R$ 975, suspensão do direito de dirigir e retenção do veículo. Neste caso, não há dúvida. Vale tudo: prova testemunhal, bafômetro, exame de sangue. O CTB prevê, inclusive, punição ao motorista que não tenha sinais de embriaguez, mas que se recuse a fazer o exame de medição de alcoolemia proposto pela autoridade de trânsito.
Já na parte criminal, a aplicação pelo poder judiciário revela que, na prática, a nova norma, pela forma que construída pelo legislador, tornou-se difícil de ser aplicada. Primeiro porque, invocando o princípio constitucional de que “ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo”, os condutores que se negaram a fazer o teste do bafômetro ou exame de sangue obtiveram absolvição em 80% dos casos. A justificativa é que sem um exame pericial que constate o grau de embriaguez dos motoristas, os juízes ficam de mãos atadas e sem outra saída, senão absolver, mesmo quando há a confissão do sujeito.
Em segundo lugar porque os juízes e desembargadores precisam seguir exatamente o que está na lei. E a regra prevê detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação especificamente para quem for flagrado “dirigindo com 0,6 gramas de álcool por litro de sangue (ou 0,3 miligramas de álcool por ar expelido pelos pulmões)”. Ocorre que alguns desembargadores e juízes entendem que só o exame de sangue é capaz de fazer essa medição com segurança.
“O referido artigo exige, para a caracterização do tipo, que se constate a presença, no sangue, de quantidade superior de seis decigramas de álcool, emergindo patente que apenas a análise do tecido sanguíneo será apta a dar tal informação”, justifica o desembargador Roberto Martins de Souza do TJ-SP, em decisão recente. O entendimento também é seguido pela desembargadora do mesmo tribunal, Fernanda Galizia Noriega. “O exame do ‘bafômetro’ não tem o condão de constatar a efetiva concentração de álcool no sangue do indivíduo. Logo, sem o exame de sangue, não há como constatar se o apelado estava embriagado e, portanto, não se pode vislumbrar a materialidade delitiva para o prosseguimento do processo.”
Juízes e desembargadores que seguem tal entendimento contestam até a validade do Decreto 6.488/08, que disciplina a equivalência entre os diferentes testes de alcoolemia. Por se tratar de matéria de Direito Penal, dizem eles, deveria ter sido elaborado pelo poder legislativo e não pelo poder executivo. “O decreto é inferior a lei. A lei amarrou a aferição ao exame de sangue e não se pode aferir esse teor sem o exame químico”, afirma o desembargador Francisco Orlando, do TJ-SP.
Veja amanhã, na Editoria de Opinião, o artigo do juiz da 2ª Vara de Delitos de Trânsito de Curitiba, Carlos Henrique Licheski Klein, sobre álcool, direção e lei.
(Gazeta do Povo - Themys Cabral )
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