quarta-feira, 28 de abril de 2010

Brasília: Condutores conseguem driblar a lei seca e tirar outra CNH

Motoristas que tiveram a habilitação apreendida por terem sido flagrados dirigindo alcoolizados conseguem tirar facilmente a segunda via da carteira
A apreensão temporária da habilitação de motorista por agentes de trânsito devido à autuação pela lei seca não garante que o condutor fique ao menos cinco dias sem a licença para dirigir. Um jeitinho brasiliense tem driblado o sistema do Departamento de Trânsito (Detran) e concedido aos motoristas a segunda via da carteira, entregue em casa e sem restrições. A prática, considerada de má-fé pelo órgão, posterga o início do processo administrativo, que deveria entrar em curso assim que o responsável buscasse o documento apreendido e assinasse um termo de responsabilidade e ciência dos autos.
Jonas (nome fictício) preferiu não se arriscar a assoprar o bafômetro quando foi parado em uma fiscalização da lei seca. O rapaz de 30 anos sabia que os três copos de cerveja ingeridos naquela noite poderiam resultar em uma punição severa. Ele alega que estava consciente e em condições de guiar o carro. No entanto, temia que o aparelho acusasse uma quantia igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido, suficiente para levá-lo à delegacia, onde ele seria indiciado pelo crime de dirigir embriagado. Caso isso ocorresse, Jonas poderia ficar detido e seria liberado apenas após pagar fiança que varia de R$ 600 a R$ 2 mil. E ainda responderia a processo criminal, com várias implicações(1).
A recusa em permitir que se medisse a quantidade de álcool ingerida, no entanto, não impediu que seu documento fosse levado pelo agentes de trânsito da entidade reguladora. A carteira ficou retida e deveria ser retirada entre cinco e nove dias após a autuação, prazo que geralmente o Detran necessita para lançar os dados no sistema e montar o processo administrativo. Mas Jonas não seguiu o procedimento. Deixou de procurar o órgão, não assinou o termo do processo administrativo e abandonou a antiga habilitação nas gavetas do Detran.
Um dia após a autuação, o jovem procurou um posto do Na Hora, pediu a segunda via, pagou a taxa de R$ 68,90 e recebeu o novo documento em casa, depois de apenas 48 horas. Como o órgão demora em média de cinco a nove dias para lançar as informações no sistema, não havia nenhuma restrição impedindo o reenvio. A demora — considerada normal pelo Departamento de Trânsito — varia de acordo com os responsáveis pela blitz, como policiais militares ou por agentes do Detran. Esse prazo dá brecha para que o condutor que teve o documento recolhido por algum problema obtenha novamente um documento pelos caminhos legais.
“É impressionante, inexplicável e injustificável. Se a pessoa teve o documento recolhido por alguma atitude, entende-se que seria por uma medida de segurança, que ela não poderia dirigir. No entanto, uma falha do sistema favorece o condutor irregular”, considera o professor Paulo César Marques, que coordenou o Programa de Pós-graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB) e atualmente assessora a Reitoria da UnB. Quinze dias após ter tomado a decisão de não pegar o documento no Detran, Jonas não recebeu qualquer notificação em casa sobre a multa ou o processo. “Não queria dirigir sem habilitação, os agentes demoram alguns dias a lançar as informações no sistema e, como não havia nenhuma restrição no ato do pedido, a segunda via chegou sem problemas em minha residência. Vou usá-la por enquanto, mas não deixarei de buscar minha carteira no Detran”, garante o morador da Asa Sul.
Internet
Retirar a segunda via da Carteira de Motorista mesmo após a apreensão não é uma prática ilegal, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro. O motorista profissional Joaquim (nome fictício) pediu o documento após ter a carteira apreendida no domingo de carnaval. “Entrei na internet na quarta-feira de cinzas e pedi outro documento. Paguei e recebi em casa, não queria correr o risco de dirigir sem habilitação”, conta. Joaquim, então, não demorou a procurar o órgão para retirar a carteira retida. “Fui porque não sabia o que aconteceria e assinei o processo”, diz.
O número de pessoas que se utilizam da prática para burlar a fiscalização não é expressivo, segundo o responsável pela Gerência de Infrações e Penalidades (Gerip), Divino Arnaldo de Oliveira. “O prazo de emissão é quase o mesmo da retirada e basta buscá-la no Detran, sem ônus e assinar o termo de responsabilidade”, explica. “O sistema permite a reemissão da habilitação porque as informações não são lançadas automaticamente após a infração. Mas pedir a segunda via e abandonar o documento original pode ser considerado um ato de má-fé e ter agravantes no processo administrativo que correrá à revelia”, completa. Para o gerente, o motorista será notificado em casa sobre a multa e o processo mesmo após pedir a segunda via do documento. “É preciso notificá-lo para dar o direito de defesa e recurso. Dentro de um mês, a notificação deve chegar à casa do condutor.”
Quinze dias após obter a segunda habilitação, no entanto, Jonas ainda não recebeu qualquer notificação e o prazo para recorrer deve acabar em duas semanas. Segundo o Detran, de janeiro a março deste ano, 382 motoristas caíram na lei seca e perderam o direito de dirigir pelas ruas do DF.
1 - Punições
O condutor punido criminalmente no âmbito da lei seca — além de ficar sem dirigir por um ano e pagar multa de R$ 957 — pode ter que doar R$ 500 para uma instituição de caridade, se inscrever no curso de direção defensiva oferecido pelo Detran, prestar 96 horas de serviço comunitário em um hospital público, assinar folha de audiência no fórum uma vez por mês durante dois anos e pedir autorização judicial para deixar o DF em caso de viagens com mais de 30 dias.
O QUE DIZ A LEI
A Lei Federal nº 11.705/08 fixou tolerância zero à mistura álcool e volante. O condutor flagrado com até 0,29 miligrama de álcool por litro de ar recebe punições administrativas: apreensão da Carteira de Motorista, suspensão do direito de dirigir por até um ano e multa de R$ 957,70. A partir de 0,3mg/l, configura-se crime. O condutor, além das punições administrativas, é levado para a delegacia, onde abre-se um inquérito. O motorista só é liberado após pagar fiança de R$ 600 a R$ 2 mil e, depois, responde a processo. Todo condutor que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, deve ser submetido a testes de bafômetro, alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos e científicos em aparelhos homologados pelo Conselho Nacional de Trânsito, permita certificar seu estado. Em caso de recusa do condutor à realização dos exames, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas admitidas pelo agente de trânsito, como o exame clínico, no qual ele observa se o motorista apresenta sinais de embriaguez.
O número
Suspensos
382
Total de motoristas que perderam neste ano o direito de dirigir por 12 meses no DF. Esses processos foram julgados entre janeiro e março.
Correio Braziliense

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