domingo, 11 de abril de 2010

Brasília: Torpedo e direção: mistura perigosa

Dirigir e, ao mesmo tempo, catar letrinhas no teclado miúdo do celular, selecionar o destinatário e enviar a mensagem de texto é tarefa praticamente impossível para alguns motoristas. Mas acredite: há quem faça as duas coisas e encare o hábito com a maior naturalidade. O apresentador Daniel Castro, 23 anos, faz parte desse grupo. Ele calcula que, em 80% das vezes que está ao volante, manda ou lê torpedos, recebe e faz ligações ou ouve música no celular. Ele se diz um viciado em informações, motivo pelo qual está sempre conectado a sites de notícias ou no Twitter. Tudo pelo telefone.
No Brasil não existe estudo sobre o risco de enviar torpedos ao volante. Mas uma pesquisa da Pew Research Center, uma entidade sem fins lucrativos de Washington, revelou que um em cada três adolescentes americanos com idade entre 16 e 17 anos enviou SMS enquanto dirigia. Lá, o jovem tem permissão para dirigir a partir dos 16 anos e boa parte deles não vê problema em combinar direção e torpedos. "Esses motoristas estão com um revólver engatilhado nas mãos e, a qualquer momento podem matar uma pessoa", defende Fábio Racy, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).
Na rotina de fiscalização é quase impossível afirmar que o condutor está enviando torpedos, explica o chefe da Fiscalização do Departamento de Trânsito do Distrito Federal, Silvain Fonseca. "Mas é fato que o aparelho realmente tira a atenção. Hoje mesmo (sexta-feira), no trecho entre a Torre de TV e o Palácio do Buriti, três condutores fizeram barbeiragem e os três estavam mexendo com o celular", exemplifica. Segundo Fonseca, a pessoa vai se envolvendo e esquece que está na condução do veículo. "Alguns acreditam que dirigir e enviar texto é tão perigoso quanto conduzir o veículo alcoolizado", destacou.
O envio de SMS ao volante tornou-se tão comum nos Estados Unidos, e os riscos de acidentes tão altos, que o presidente Barack Obama proibiu a prática entre os funcionários públicos que dirigem carros oficiais ou os próprios veículos durante o expediente. A norma foi baixada em setembro passado, no encerramento de uma reunião de cúpula comandada pelo secretário de Transportes dos Estados Unidos, Ray LaHood, em que o assunto foi debatido.
Fatalidades
Reforçam as preocupações dos americanos o levantamento da National Highway Traffic Safety Administration - o departamento de trânsito dos Estados Unidos. Segundo o órgão, só em 2008, houve 5.870 mortes e um número estimado de 515 mil pessoas feridas em acidentes. Em todos eles houve pelo menos uma forma de distração do motorista. Segundo o estudo da Pew Research Center, entre condutores jovens, as distrações são consideradas especialmente preocupantes e ocorrem com maior incidência no grupo com 16 a 20 anos.
Daniel Castro, citado no começo dessa reportagem, diz que nunca se envolveu em acidentes enquanto digitava ou lia torpedos. "Não tem segredo. Perigoso é, mas não mexo com o telefone nas curvas, ou fazendo um balão. Só faço isso quando considero que não há perigo, por exemplo em uma reta e depois de reduzir a velocidade. E se acontecer algum imprevisto, solto o celular e me concentro no trânsito", detalha.
Em Gwent, no País de Gales, foi gravado um filme com quatro minutos de duração alertando os motoristas para os riscos dos torpedos ao volante. Dirigido por Peter Watkins-Hughes, o filme retrata um acidente fatal provocado por uma jovem que digitava textos do celular enquanto dirigia. A gravação mobilizou a polícia local, helicópteros do Corpo de Bombeiros e teve o apoio da Universidade de Gales Newport, da Escola Tredegar Comprehensive e do Tribunal de Justiça. Os efeitos especiais dão a impressão de tratar-se de um flagrante de acidente. O vídeo foi postado no YouTube há sete meses e exibido 71.421 vezes.
Chefe da Divisão de Delitos de Trânsito do Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil do Distrito Federal, Wagner dos Santos compara a prática a um velho ditado popular. "É como chupar cana e assobiar ao mesmo tempo. Dirigir exige do condutor olhar para frente, para os lados e para o retrovisor traseiro e isso não é possível para quem está com os olhos no teclado do celular", adverte Santos.
Correio Braziliense

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