A julgar pelo que está no papel, BH deveria ser uma capital de primeiro mundo, com ruas impecáveis, pedestres e motoristas disciplinados e normas sanitárias rígidas. Mas na prática...
Imagine uma pessoa sendo parada por um policial de trânsito e multada depois de atravessar fora da faixa de pedestres ou com o semáforo vermelho. Ou alguém notificado pela prefeitura por ter jogado a embalagem do sanduíche no meio do passeio. À primeira vista, podem parecer cenas típicas de países desenvolvidos, mas todas essas infrações e as respectivas punições fazem parte da legislação brasileira. Como essas, há uma série de leis e decretos que geraram discussão, foram aprovados pelo Poder Legislativo e publicados apenas para cair no esquecimento. Inclusive regras que se referem a problemas graves, como a dengue, que tem a primeira morte investigada na capital e já comprovadamente matou 28 pessoas no estado este ano. Por lei estadual (19.482/2011), atividades públicas e privadas que têm potencial de propagação do mosquito Aedes aegypti deveriam ser mapeadas, para facilitar a fiscalização. Não o são, mesmo com o quadro de 123.694 registros da doença em território mineiro.
E, se o próprio poder público parece ignorar as leis que deveria cumprir e fazer cumprir, o comportamento dos cidadãos não chega a surpreender: é proibido, mas mesmo assim há médicos e enfermeiros fazendo compras com os mesmos guarda-pós com que atenderão os doentes; há donos passeando tranquilamente com cães que deveriam usar focinheiras; há motoristas trafegando em carros com os vidros tampados por películas ilegais; há gente vendendo o que não poderia e embalando o produto da infração com sacolinhas que não deveriam mais existir em Belo Horizonte. Tudo, claro, sob a vista grossa de fiscais.
Entre normas absurdas ou impossíveis de fiscalizar e outras simplesmente ignoradas por razões diversas estão aquelas que, por falta de regulamentação do Poder Executivo, acabam sendo desrespeitadas pelo cidadão e ignoradas pelos fiscais, como se fossem “leis de mentira”. “A impressão é de que as pessoas e as estruturas sociais não estão ainda preparadas para as mudanças exigidas por essas leis. Por isso não pegam”, avalia o professor Manoel Leonardo Santos, do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mesmo normas recentes podem rapidamente entrar na lista das ignoradas e deixar de regular as atividades na cidade. Exemplo disso é a Lei Municipal 10.432, que fez um ano na quarta-feira e proíbe a venda de cigarros avulsos – vulgarmente chamados de cigarros picados – em bares, restaurantes, mercearias, padarias, tabacarias, bancas de jornal e revista de Belo Horizonte. De acordo com o Procon Municipal, órgão encarregado de fiscalizar o cumprimento da legislação, nesse período apenas 100 estabelecimentos foram notificados por vender cigarros picados. A lei se fundamenta no preço exorbitante cobrado pelas unidades – que na Região Centro-Sul varia de R$ 0,50 a R$ 1– e também na facilidade de jovens comprarem pequenas quantidades.
Por toda a cidade, a reportagem do Estado de Minas encontrou comerciantes desrespeitando a proibição. Para se ter uma ideia, na Praça da Savassi, que foi entregue reformada à população em maio do ano passado, entre os sete estabelecimentos que comercializam cigarros cinco vendiam a modalidade avulsa. O restaurante e o café que não adotam a prática não foram constrangidos pela proibição. Simplesmente nunca venderam unidades em vez de maços, por não ser esse o perfil de seus consumidores.
Uma pizzaria no quarteirão entre as ruas Pernambuco e Tomé de Souza demonstra não temer qualquer fiscalização. Tanto que os garçons não têm constrangimento em dizer que só vendem cigarros avulsos. Em um restaurante do quarteirão oposto, entre as ruas Pernambuco e Fernandes Tourinho, o dono comercializa os “picados” proibidos sem constrangimento, mas não sem antes dar uma lição de moral. “Esse trem de cigarro deve ser danado de bom, mesmo. Vende de qualquer jeito. Faz mal, adoece, mas o fumante não para de comprar”, disse.
Sujeira
Jogar lixo no chão, acredite, também é infração prevista em lei na capital. Mas a sujeira que se encontra nas ruas da Região Centro-Sul dá uma pista do quanto a norma é respeitada pelo cidadão e fiscalizada pelo poder público. E, se falta conhecimento da legislação e vontade para fazê-la valer, sobra má educação. Atirar cigarros acesos ao chão, por exemplo, parece um esporte disseminado, mesmo a poucos metros de cestas de lixo públicas.
Na Praça 7, o que se vê é um festival de pessoas jogando no chão embalagens e guardanapos ao terminarem de consumir picolés, sorvetes ou salgadinhos. Uma mulher que caminhava com o namorado chegou a se agachar para deixar sobre o meio-fio o copo de plástico com as sobras do suco de laranja que acabara de beber. Ao ver que a atitude foi fotografada, o rapaz repreendeu a companheira e recolheu o copo.
Pela Lei 10.534, de 2012, jogar lixo na via pública é considerado “ato lesivo à conservação da limpeza urbana”. E desafiar a lei está longe de ser barato: a multa prevista é de
R$ 1.016,41. Cabe à prefeitura fazer cumprir a norma, mas não é o que ocorre. Segundo a Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização ninguém foi notificado até hoje por esse motivo. A justificativa para a dificuldade em aplicar as penalidades é a necessidade de flagrante. “Há, ainda, a necessidade de o infrator se identificar, dando ao fiscal seu nome e o CPF. Do contrário, não é possível gerar o documento fiscal”, informa o órgão. A secretaria afirma que resta orientar os cidadãos e instalar mais lixeiras. Atualmente há 12,9 mil cestos (média de um para cada 194 belo-horizontinos) e esse número deve chegar a 20 mil em 2014.
A Lei 9.529/2008, que proíbe a distribuição de sacolas plásticas na capital, também enfrenta resistência entre comerciantes, sobretudo no Centro de BH. Pelos shoppings populares e lojas menores, o produto banido ainda é largamente usado para embalar mercadorias, quando deveria ser substituído por material biodegradável. Segundo a Secretaria Adjunta de Fiscalização, de abril de 2011, quando a legislação entrou em vigor, até fevereiro deste ano, houve 5.869 vistorias, sendo emitidas 1.341 notificações e geradas 15 multas. “O sucesso dessa lei depende do engajamento dos comerciantes e dos consumidores”, admite a pasta.
ESTADO DE MINAS
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