segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Mortes sem freio

Dizem que a pior dor é a da mãe que perdeu um filho. Nos primeiros dez meses deste ano, pelo menos 360 mulheres sentiram essa dor, após os filhos morrerem vítimas no trânsito em rodovias federais, no Estado, e em vias estaduais e municipais da Grande Vitória. Dona Acyoman Pernambuco de Paula sentiu a perda na semana passada, após Joyce e Jamile, filhas dela, morrerem num acidente.

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A GAZETA perguntou a especialistas o que pode ser feito para reduzir a média de 600 mortes, por ano, em todo o Estado; 37 mil, no Brasil. Eles sugerem mudanças na legislação brasileira, nas estruturas viária e de fiscalização e ainda no comportamento do condutor.

"O comportamento no trânsito é cultural, assim como a transgressão às leis. Para conseguir mudar a atitude do brasileiro ao volante, é necessário mudar o comportamento da sociedade, construir uma nova geração de motoristas", frisa a diretora técnica do Detran-ES, Rosane Giuberti.

As ações surgiriam em três direções: mais informação sobre o trânsito nas escolas (promessas para 2011, em escolas da rede pública estadual), mudança de comportamento entre pais e filhos, além de campanhas nacionais educativas e massivas para alterar a cultura do condutor - nesse caso, com legislação e fiscalização mais ativas.

"A criança, por exemplo, até pode aprender na escola o que é certo e o respeito à lei. Mas isso de nada adianta se o pai dirige depois de beber, não usa o cinto, fala ao celular ou para em fila dupla. A criança vai achar normal infringir a lei, pois o pai infringe e não é multado", pondera Giuberti.
Um estudo do Detran reforça o desrespeito às leis: 63% dos entrevistados afirmam que dirigiriam mesmo depois de beber, e 12% já fizeram isso.

Todos os especialistas de trânsito ouvidos por A GAZETA defenderam a mudança nas leis. Seriam alterações no Código de Trânsito e na Política Nacional sobre o Álcool. "Temos que mudar a lei de trânsito para ter uma punição mais severa, mas também temos que nos preocupar com a prevenção, pensar em evitar que as pessoas possam dirigir após beber, por exemplo", defende o delegado Paulo César Ferreira, titular da Delegacia de Delitos de Trânsito.

Os Detrans querem mudar a lei: aumentar a punição para quem dirige embriagado e tornar a tolerância realmente zero - se estiver bêbado, dirigindo e causando algum risco a terceiros, o condutor será preso. "Não dá para permitir que o condutor saia impune", frisa o diretor-geral do Detran, Marcelo Ferraz. E os Detrans ainda querem um Denatran (órgão nacional) mais ativo.

Mas, como afirma o delegado, é preciso prevenir: "É ilusão acreditar que o Direto Penal é a garantia de todos os problemas. Quem reduziu esses números, como os Estados Unidos e países da Europa, limitou horário de funcionamento de bares e locais de venda de bebidas", diz Ferreira.

Curvas, vias estreitas, falta de sinalização... Os problemas são apontados, sempre, pelos condutores, mas quem atua no setor reconhece os riscos das estruturas viárias do país, assim como na falta de estrutura de fiscalização.

"Buracos e falta de sinalização ajudam a manter a taxa alta de mortes, assim como o desenho das vias, construídas há décadas, quando não havia muitos carros. Curvas sinuosas, subidas e descidas, além de vias estreitas, sem acostamento, facilitam um acidente fatal", diz o inspetor Emanoel Oliveira, chefe do Núcleo de Comunicação da Polícia Rodoviária Federal.

A PRF afirma que 90% dos acidentes são causados pelo condutor, após alguma infração. Mas sabe que uma via mais larga, duplicada, pode ajudar a evitar ultrapassagens em local indevido.

Mesmo assim, sem estrutura na fiscalização, fica difícil saber quem infringe a lei e quando. Há três anos não há radar em BRs, e o efetivo para cobrir todo o Estado é de 203 policiais. Além disso, só quatro das 78 prefeituras capixabas municipalizaram o trânsito.

"Minha família parou de dirigir após beber"

Diogo Vanderlei Tavares

Vítima de acidente de trânsito

Profissão:
Técnico de elevador

Idade:
24 anos

Diogo Tavares é mais um entre os milhares de capixabas vítimas do trânsito; são 20 mil acidentados, por ano, em média. Depois de ele ter virado um sobrevivente, sua família mudou de atitude. "Ninguém mais dirige depois de beber", diz Diogo. E nem era o jovem quem havia bebido. O motorista que passou com o caminhão por cima dele é quem estava embriagado, dirigindo pela avenida que fica na orla de Itaparica, em Vila Velha. A audiência com o juiz será no próximo dia 17, quatro dias antes do "Dia Mundial em Memória às Vítimas de Trânsito" - decretado pela ONU e comemorado no terceiro domingo de novembro.

Você se lembra do acidente? Só lembro que vi um vulto, senti o choque e fui jogado. Ao ver o sangue, peguei o celular. Mas um cara passou, pegou meu telefone, disse que ia falar por mim e foi embora. Ele me roubou. Então peguei o celular do trabalho e fiz o contato.

Sua mãe viu você no local? Ela foi me ver no hospital. Quando passou pela orla de Itaparica (em Vila Velha) e viu a cena do acidente, pensou que eu havia morrido. Só se tranquilizou ao saber que eu estava na cirurgia. Acho que estou vivo graças ao capitão Wagner, do Corpo de Bombeiros. Ele mora próximo do local onde o caminhão me atropelou, no dia 29 de novembro de 2009. Está próximo de fazer um ano.

Você perdoaria o caminhoneiro? Já falou com ele? Nunca o vi. Dizem que o motorista sumiu. Gostaria de ter a chance de falar com ele, saber por que bebeu tanto naquele dia, se não se sente culpado... Mas não sei se ele teria coragem.

Mas você o perdoaria? Não sei. Eu quero é justiça. Falta justiça nos casos de trânsito. As pessoas devem ser punidas, principalmente quando dirigem bêbadas.

E o que mudou depois do acidente? Fiquei 49 dias internado. Não sei como minha esposa conseguiu me suportar. Ela saiu do emprego para ficar comigo 24 horas por dia. Perdi parte da perna esquerda e estou desde janeiro em fisioterapia. Mas a mudança maior foi na minha família. Ninguém mais dirige depois de beber. Depois do acidente, ninguém mais dirigiu bêbado.
A GAZETA ONLINE

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