Dois rapazes da cidade de São José do Egito, no sertão de Pernambuco, se chocaram dirigindo suas motos. Os dois, que não se conheciam, vieram para o mesmo serviço de trauma do hospital onde trabalho. Os acidentes foram graves, com politraumatismos e fraturas expostas. Ambos têm apenas 21 anos e o que sofreu lesão da coluna cervical me informou que estava tão alcoolizado que teve um apagão. Não se lembra de nada que aconteceu. Habituado a uma rotina de enfermaria de guerra, me choquei com a irresponsabilidade dos jovens e com a violência como se agrediram. Lembrei dois cavaleiros medievais investindo de lanças em riste, um sobre o outro. Só que os cavaleiros se cobriam com armaduras de ferro e os rapazes apenas com a roupa leve do corpo.
Nosso serviço de traumatologia, que até bem pouco tempo contava com 170 leitos, é um dos maiores do nordeste. Ainda não foi feito nenhum trabalho estatístico sobre os tipos predominantes de traumas e uma análise das circunstâncias em que aconteceram. Isso é lamentável. Numa análise grosseira, sobressaem os acidentes com motos, que chamam atenção pela gravidade e pela faixa etária dos envolvidos, quase sempre homens jovens em idade produtiva.
Não há estatísticas sobre os casos em que os motoristas dirigiam embriagados, sem capacete, sem os espelhos laterais das motos - que são retirados com frequência -, sem roupas adequadas, em alta velocidade, nem se ultrapassavam o sinal vermelho. Talvez os números revelassem imprudência e descontrole. Basta andar um único dia pelas ruas do Recife, ou pelas cidades do interior de Pernambuco, para constatar o perigo a que se expõem esses motoristas, na maioria das vezes sem habilitação, e o risco em que põem a vida alheia.
Os acidentados se afastam do trabalho e recebem o benefício da previdência. Geralmente ficam improdutivos por muito tempo, com sequelas definitivas e irremediáveis, quando não se tornam inválidos. Não passamos por nenhuma grande guerra recente, mas possuímos o nosso exército de mutilados. Um grande exército, que cresce todos os dias, sem um único herói.
Quem vai pagar a elevada conta da previdência social? Até quando vamos suportar pagá-la. É urgente um levantamento estatístico em todo Brasil para sabermos em que proporção cresce o número de inválidos por acidentes de motos e automóveis. Mais urgente seria prevenir esses acidentes, criar uma política de educação e de punição aos transgressores da lei. Mas não vemos nada parecido com isso e remediamos o que não tem cura.
Os hospitais públicos mudaram seus serviços de ortopedia em traumatologia. Como programar cirurgias eletivas, se não temos leitos suficientes nem para atender a demanda de traumas? O crescimento do poder de compra tornou fácil adquirir uma moto. Ela se tornou um meio de transporte essencial, num país em que o transporte urbano é uma calamidade. E também um meio de ganhar a vida para milhares de brasileiros. Faltam campanhas de educação no trânsito e fiscalização dos motoristas para que as motos não se transformem em instrumentos de guerra e morte.
Ronaldo Correia de Brito - Recife (PE) / Terra.com
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